Charles Evaldo Boller
Sinopse: Análise holística da dinâmica dos ritos e da Maçonaria.
Platão dizia que a perfeição do círculo existe apenas na mente, o que induz pensar que em nenhum lugar do Universo existe um círculo perfeito, apenas na imaginação humana. Criar círculos na mente deixa claro o poder da mente em desenvolver novas e inusitadas idéias, induzidas pela diversidade com que foi projetado o Universo. Neste mundo de ilusão sensorial tudo depende de como queremos ver. Inúmeros foram os círculos que os homens já desenharam e esculpiram, em sua maioria manifestação da arte fútil que agrada a sensibilidade do observador. É semelhante à diversidade de ritos da Maçonaria, a arte útil que visa o homem. A diversidade de ritos na Maçonaria é a razão de sua sobrevivência.
Debates entusiásticos a favor e contra a flexibilidade do Rito Escocês Antigo e Aceito deram conta da existência de divergências do "rito original", o que, segundo opinião de pensadores maçons, estaria destruindo a Maçonaria de dentro para fora; suas críticas são severas e contundentes contra as modificações do rito introduzidas nas diversas obediências, inclusive em lojas de uma mesma obediência. Estes analistas sérios e bem intencionados desejam voltar ao "rito original", o que, em face da diversidade vigente, constitui tarefa difícil, senão impossível; o rito de hoje é resultante da flexibilidade da Maçonaria e da vontade de homens igualmente pensadores ilustres ao longo do tempo. Rito presta-se a estabelecer costumes e, pela repetição, mudar pessoas em determinada época. Ademais, quanto o "rito original", ao qual se pretende voltar, é de fato original? "Neste mundo nada se cria, tudo se copia"; todo saber humano deve sua existência a incontáveis ciclos de tese, antítese e síntese. Não será este "rito original" cópia de ritos anteriores? Ritos mudam constantemente. Em que a mudança é prejudicial? São as estruturas físicas enrijecidas, que se opõem ao movimento, duras, que mais têm possibilidade de quebrar na presença das oscilações, vibrações, mudanças de um Universo vivo, cheio de energia. A estrutura flexível da Maçonaria tem a capacidade de sobreviver mais tempo; é como na alegoria do grande, rijo e velho carvalho e a esguia, jovem e frágil haste de trigo, quando submetidos à força do vento, um quebra o outro verga; qual deles sobrevive?
Observem-se as complicações geradas pelos imutáveis landemarques e que engessam a instituição maçônica numa realidade do passado. Existem diversas compilações, qual delas é original? Hoje algumas das leis naturais básicas extraídas dos landemarques estão defasadas em relação a presente realidade e dinâmica social. Alguns landemarques são discutíveis, ilógicos. Mas é a lei! Lei não se discute, obedece-se! Rito não é lei, é modelo; passível de modificação. E é o que os homens fazem: adaptam o rito para a sua realidade, a sua época. As leis também se adaptam no tempo, entretanto a compilação dos vinte e cinco landemarques de Mackey atrofia-se quando reza imutabilidade; até onde se sustenta imutável só a sabedoria dos homens do futuro definirão. Albert Pike, com ironia e pensamento arguto irrefutável demoliu, em seu tempo, o que hoje ainda sufoca a Maçonaria; reduziu os vinte e cinco landemarques de Mackey a apenas cinco. Ritos e leis mudam na corrente do tempo; apenas uma única lei é imutável para o homem, oriunda dos atos criativos do Grande Arquiteto do Universo: a lei do amor fraterno.
Do movimento que é característica do mundo vivo, as modificações introduzidas no Rito Escocês Antigo e Aceito foram salutares e prestam-se materializar homens aperfeiçoados para a sociedade humana em qualquer época. Muda o homem, muda a idéia, mas o símbolo é o mesmo. Percebe-se que as mudanças no rito são função do movimento, de palavras, de idéias; os símbolos são os mesmos: compasso, esquadro, nível, prumo, maço, cinzel, régua, espada, trolha, etc. basta preservar os símbolos! O que aconteceria se substituírem a espada por um fuzil AR15, a pena do secretário por um laptop, o cinzel por uma britadeira?
Mudarem palavras do ritual, a forma de circulação em loja, criar novos aventais, novos estandartes, não muda o "antigo e aceito" rito escocês! Trata-se do mesmo rito! O rito assim como seus símbolos, é apenas arquétipo, modelo; as réplicas mais antigas serviram aos homens de sua época; vive-se outra realidade; constroem-se outros círculos perfeitos na imaginação e imperfeitos na realidade; da mesma forma surgem novos procedimentos para representar os mesmos ritos, só que ligeiramente adaptados ao seu tempo. Não interessa o método usado para construir círculos perfeitos, o que realmente interessa é que estes transmitam beleza para sensibilizar homens e transformar sua maneira de ver as verdades sob outro prisma; introduzir mudanças nos ritos tem a mesma função. É só preservar os símbolos que o rito não muda!
Homens são criaturas emocionais, espirituais e racionais a um só tempo, prevalece a característica que cada um mais alimenta; separar cada elemento destes e tratá-los em separado é técnica preconizada pelo mecanicismo. Daí a necessidade de tolerância na convivência com homens racionais, detalhistas e substancialmente técnicos, que insistem em preservar o "rito original" apenas porque suas mentes, assim treinadas, insistem em colocar tudo em funcionamento como se fosse um antigo relógio de algibeira; um homem saudável seria um bom relógio, um homem decaído um péssimo relógio! É o mecanicismo de Descartes, caracterizado por dividir processos complicados em estruturas simplificadas e estanques, para então proceder à análise separada de cada componente. Em sistemas dinâmicos isto não funciona. Enquanto se estiver analisando uma das partes, as outras são negligenciadas; resultado: o todo fenece. A geometria é bela, mas para sistemas dinâmicos como a evolução humana ela é limitadora, castradora, morta. O mecanicismo influi em todas as ciências e só pouco a pouco cede lugar para análises que contemplam o todo e não apenas uma parte isolada de um processo. Voltar ao "rito original" é conservadorismo, simplificação e saudosismo; é influência mecanicista daqueles que olham o rito apenas como parte isolada de um sistema e esquece-se do homem que se conecta ao rito para crescer e melhorar-se. Diante do movimento, do avanço do tempo, o rito e o homem são um; o homem evolui e o rito com ele.
Para matar um rito é fácil: mudem-se os símbolos! Endureça-se o coração dos homens para que se neguem em efetuar mudanças em si; admitam-se nas lojas homens não dispostos a acordos, selvagens, viciados em drogas, imorais, politiqueiros, materialistas, ateus; negligenciem-se: estudo de temas da sociedade, sindicâncias para admissão de novos, desenvolvimento da espiritualidade, tratamento fraterno e amoroso; e outras mazelas. Observe-se que o fundamento da Maçonaria não está nos ritos, mas nos homens que a compõem e usam dos ritos como arquétipos, modelos para se relacionarem e se influenciarem para o bem. Rito é instrumento de trabalho, homem é matéria prima em modificação. Qual tem maior valor, a ferramenta ou a obra de arte? Toda atenção da Maçonaria é direcionada no sentido de mudar homens através de sua autoconstrução, e nisso o rito é apenas coadjuvante, arquétipo, modelo, nunca diretor. Paredes não debatem, ritos não se abraçam, são os homens que estão dentro templo os que interagem entre si e influenciam-se uns aos outros e se abraçam, para se reunirem utilizam um rito, uma simples ferramenta para se auto-desenvolver. Se os homens mudam porque o rito deve permanecer inalterado?
Partindo da idéia que na Natureza tudo se modifica, nada é igual na linha do tempo, é nas pequenas diferenças entre as diversas réplicas do "rito original" que reside a força do Rito Escocês Antigo e Aceito como elemento de transformação de homens. Todos os ritos da Maçonaria têm o mesmo potencial. Cada rito oferece características diferentes que se adaptam à diversidade de homens espalhados pelo Orbe. Voltar ao "antigo e aceito" rito escocês é o mesmo que eliminar todos os ritos diferentes, transformando-os num só; ou reunir todas as obediências numa única. O que embeleza e fortalece a Maçonaria é a maravilhosa diversidade, sob qual se albergam as colunas da maioria das linhas de pensamentos filosóficos e crenças religiosas. Com isto possibilita-se o ambiente seguro para o debate das necessidades da sociedade sem que os debatedores se matem uns aos outros. A Maçonaria é o único foro seguro para solucionar todos os problemas da humanidade, algo só possível pela atuação do amor fraterno, aquilo que o Grande Arquiteto do Universo revela e escreve na Natureza.
Ninguém está matando o rito maçônico, o maçom enriquece, melhora, adapta o rito às novas realidades na linha do tempo. Boa solução é aquela que preconiza flexibilidade e diversidade. É só preservar os símbolos e deixar o pensamento fluir. Semelhante ao desenvolvimento de perfeitos, lindos e maravilhosos círculos na mente, o maçom aprende com a linguagem e traços do Grande Arquiteto do Universo que escreve a realidade na mais caótica diversidade. O homem foi projetado para admirar a diversidade. O maçom progride no "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates, quando observa a Natureza e abandona a tendência de insistir em colocar tudo dentro de moldes estanques; condicionados às limitações impostas pela realidade, à ilusão, de seus sentidos presentes neste pequeno grão de areia onde ele se encontra recluso.
Imagine o absurdo de Kepler colocando a órbita de um planeta nas linhas definidas por um cubo, esta era a realidade dele, a do hodierno maçom é outra, mas igualmente limitada. Ao criar lindos e perfeitos círculos na mente, exercitando a capacidade de pensar, o maçom cria novos e inusitados instrumentos que alargam a visão do Universo e também se conscientiza de sua responsabilidade para consigo mesmo e a sociedade onde está simbioticamente imerso. Diante da constante mutação da Natureza e, consequentemente, do homem, os ritos vão se diversificando, cada um deles vai se modificando, acompanhando a evolução da sociedade; a Maçonaria é evolucionista, acredita na mudança do homem para melhor, razão de investir nele e perseverar em melhorar as ferramentas, os ritos.
Para evitar desgastes e perda de foco ao que realmente interessa na Maçonaria, cabe ao maçom nadar a favor da correnteza do tempo para não se cansar e desistir de promover o crescimento do homem, e principalmente dele mesmo. Se o maçom é agente de mudanças, deve ele mesmo estar suscetível às mudanças que o tempo e a sabedoria lhe impõem. Mudança começa consigo mesmo e depois se propaga em tudo aquilo que o rodeia. Citando Bertolt Brecht: "Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar".
O Rito Escocês Antigo e Aceito continuará em modificar-se sem que isto cause a queda da Maçonaria ou o desgaste do rito. O que destrói o rito é o homem que, a semelhança de Kepler, não consegue formar círculos em sua imaginação devido à imaginação embotada, limitada; que ainda não alargou seus horizontes e não aguçou seu pensamento para além dos limites impostos aos seus sensores. Ao invés de voltar ao passado é essencial projetar o futuro, livrar-se das amarras da mesmice e pensar de forma proativa para desenvolver e adaptar ritos mais eficientes da dança eterna dos ciclos de tese, antítese e síntese. Que os ritos construam homens que pensam sem preconceitos e estejam esclarecidos ao ponto de entenderem aquilo que o Grande Arquiteto do Universo escreve e desenha de forma aparentemente caótica, e onde, em meio à evidente confusão, acende a chama da vida.
Bibliografia:
1. ASLAN, Nicola, Landmarques e Outros Problemas Maçônicos, Volume 1, ISBN 85-7252-044-9, 3ª edição, Editora Maçônica a Trolha Ltda., 240 páginas, Londrina, 2010.
2. CORTEZ, Joaquim Roberto Pinto, Maçonaria, Conceitos Litúrgicos, Ritualísticos e Históricos, ISBN 978-85-7252-279-3, 1ª edição, Editora Maçônica a Trolha Ltda., 204 páginas, Londrina, 2010.
3. GLEISER, Marcelo, Criação Imperfeita, ISBN 978-85-01-08977-7?, 1ª edição, Editora Record, 366 páginas, São Paulo, 2010.
4. ISRAEL, Jonathan I., Iluminismo Radical a Filosofia e a Construção da Modernidade 1650-1750, Radical Enlighttenment, Philosofy, Making of Modernity, 1650-1750, tradução: Cláudio Blanc, ISBN 978-85-370-0432-6, 1ª edição, Madras Editora Ltda., 878 páginas, São Paulo, 2009.
5. SOUZA FILHO, Ubyrajara de, Cognição e Evolução dos Rituais Maçônicos, ISBN 978-85-7252-278-6, 1ª edição, Editora Maçônica a Trolha Ltda., 152 páginas, Londrina, 2010.
Biografias:
1. Albert Mackey ou Albert Galatin Mackey, autor, maçom e médico de nacionalidade norte-americana. Nasceu em Charleston em 12 de março de 1807. Faleceu em Fort Moroe, em 20 de junho de 1881, com 74 anos de idade. Suas principais obras: a compilação de uma série de 25 Landmarks; uma Enciclopédia Maçônica, em três volumosos tomos; um livro sobre a Jurisprudência Maçônica; História da Maçonaria.
2. Albert Pike, advogado, autor, escritor, historiador, maçom e poeta de nacionalidade norte-americana. Nasceu em Boston, Massachusetts em 29 de dezembro de 1809. Faleceu em Washington, em 2 de abril de 1891, com 81 anos de idade. Reorganizador de todos os rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito, do grau quarto ao trinta e três.
3. Bertolt Brecht ou Eugen Bertolt Friedrich Brecht, diretor de teatro, dramaturgo, maestro e poeta de nacionalidade alemã. Nasceu em Augsburg em 10 de fevereiro de 1898. Faleceu em Berlim, em 14 de agosto de 1956, com 58 anos de idade. Criador do teatro épico, revoluciona a dramaturgia do século XX.
4. Johannes Kepler, astrônomo de nacionalidade alemã. Nasceu em Weil der Stadt em 27 de dezembro de 1571. Faleceu em Regensburg, em 15 de novembro de 1630, com 58 anos de idade. Conhecido pela elaboração dos três princípios que regem os movimentos dos planetas em torno do Sol.
5. Nicola Aslan, autor, escritor e maçom de nacionalidade brasileira e grega. Nasceu em Grécia em 8 de junho de 1906. Faleceu, em 2 de maio de 1980, com 73 anos de idade.
6. René Descartes, cientista, filósofo e matemático de nacionalidade francesa. Também conhecido por René du Perron Descartes. Nasceu em La Haye, Touraine, Atual Descartes em 31 de março de 1596. Faleceu em Estocolmo, Suécia, em 11 de fevereiro de 1650, com 53 anos de idade. Muitos filósofos consideram-no o pai da filosofia moderna.
7. Sócrates ou Sócrates de Atenas, filósofo de nacionalidade grega. Nasceu em Atenas em 468 a. C. Faleceu, em 399 a. C. Um dos mais importantes pensadores de todos os tempos.
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