Por J. H. PROBST-BIRADEN
O kabalista Vulliaud, em seu livro: "A Kabbala Judaica", livro erudito e subtil, nega toda influencia do esoterismo tradicional judaica sobre a Franco-Maçonaria. Parece-nos, entretanto, que o ritual maçónico, testemunho fiel das doutrinas pelos símbolos, oculta ensinamentos kabbalisticos e regula cerimonias que têm sentido somente em relação ao judaico esotérico.
A inspiração hebraica mística e magica do tratado da "Reintegração dos Seres", de Martinès de Pasqually e dos catecismos dos graus do seu famoso rito dos Elus-Cohens, foi afirmado com alguma solidez por Le Forestier em seu livro "La Franc-Maç:. Ocultiste au XVIII Siècle et l'Ordre des Elus-Cohens" (1).
O mesmo autor confirma a influencia sobre a Sociedade secreta no "L'Occultisme et la Franc-Maçonnerie Écossaine"(2), em um estudo histórico do XVIII século místico, que nos parece incontestável.
Entretanto, Le Forestier, como outros, trata da questão em geral, mas não indica os precisos pontos kabbalisticos do ritual escocês, o único completo e conservado quase intacto depois de suas primeiras edições. Procuraremos apresentar alguns exemplos, bastante convincente, quando não absolutamente incontestáveis. Le Forestier constata que, a partir do fim do século quinze, a aristocracia intelectual europeia desprezada os ensinamentos doutrinários do clero diante dos mistérios da Kabbala dos Judeus. A Kabbala deixa de ser uma tradição reservada ao povo de Israel, na Renascença, e desempenha um papel ininterrupto até o século XVIIII. Basta lembrar os nomes de Pic de la Mirandole, de Reuchlin, de Cornelio Agrippa, de Trithemo, de Paracelso, Cardan, van Helmont, Robert Fludd e muitos alquimista e Rosa-Cruzes que conheceram, praticaram e ensinaram a Kabbala, harmonizada com o Cristianismo, embora Vulliaud pareça desconhecer.
No século XVIII, cristãos e israelitas praticam, ao mesmo tempo, a Alchimia e a Kabbala e estabelecem em seus trabalhos uma estreita concordância, uma minuciosa correspondência entre as duas Ciências esotéricas.
No século XVIII, época em que são fixados os rituais dos altos graus maç:., o que se chamou de escocismo, por causa da nação ou país de origem seus criadores, o esoterismo, fortemente impregnado de Kabbala é triunfante. Reeditaram-se os tratados puramente alquimicos e os kabbalisticos também. A "Filosofia Oculta de Agrippa" é vertida em francês, em 1727 e veremos sua influencia se revelar no mundo maçónico.
É coisa capital para nós - porque os fundadores do escossismo vêm dos países britânicos, publicam-se muitos trabalhos sobre Kabbala na Inglaterra, o que torna natural a introdução de elementos kabbalisticos no escossismo, edifício maçónico do século dezoito. Le Forestier menciona tratados conhecidos, como o de Disckinson, medico de Carlos II: "Physica vetus et vera" no qual explica a Grande obra pela génese, comentados segundo o método kabbalistico. Livros alemães eram lidos e comentado nas sociedades dos alquimistas ingleses, tais como o Urim et Tummim Mosis (1737), die Schlange Mosis, a serpente de Moisés , publicado em Dantzig em 1735; enfim em um catalogo de manuscritos herméticos de Viena, cujas copias um livreiro vendia, nota-se o titulo seguinte: Kabbala de Ouro dos Judeus com o processo dos Zephiroth para a transformação dos metais (3).
O Conde de Saint-Germain, Cagliostro, os magos, os alquimistas, os hermetistas diversos puseram em pratica a Kabbala e, principalmente, a Kabbala Numérica; tratava-se então da confecção de talismãs segundo as formulas hebraicas, da evocação dos espíritos com as cerimonias descritas nas compilações ou comentários dos rabinos (clavículas), cujas edições variadas eram espalhadas nos meios burgueses e mesmo nobres da França. Por isso, Le Forestier pode dizer, sem contestação, que a historia do ocultismo (lede esoterismo) se confunde na segunda metade do século XVIII com a Franço-Maçonaria (4).
A Franco-Maçonaria, importada da Inglaterra em 1730, não passava da imitação da Freemansonry inglesa, sociedade secreta e mantida ritualmente por legendas e símbolos operários, como a outra, e que reunia intelectuais e plebeus, pregava a fraternidade, a igualdade na loja e a tolerância reciproca, antes de os introduzir nas constituições políticas, etc.
Nada de iniciatico, propriamente dito, era notado na Maçonaria nascente da Inglaterra e da França no fim do século XVII. A historia simbólica de Hiram tem importância em 1725, quando o 3.º grau, o de mestre, é ligado aos dois primeiros. É uma mistura de mito solar, fragmentos de antigos mistérios e lendas talmudicas. Mas tarde, não somente foram criados os Graus Maiores, quer dizer, a Maçonaria Escocesa, desenvolvimento parcial de um plano maior de iniciação na França, contido no discurso do cavaleiro Ramsay, nascido na Escócia, dai o nome de sistema escocês, como também se imprimiu forte caracter kabbalistica em todos os grau superiores ao de Mestre.
Algumas edições do Livro das Constituições de Anderson, verdadeira Bíblia maçónica, contem aprendizes, nos quais a Kabbala é considerada como uma das fontes da maç:., principalmente a edição de 1738. O Rito dos Maçons da Inglaterra e o Real Arca afirmam que os Maçons são os verdadeiros herdeiros da Kabbala, considerada como uma tradição, a Ciência Secreta, como então se dizia. Esse ritos, como em França o dos Elus-Cohens de Martinès, também meio kabbalistico, representaram alguns grupos esotéricos ou místicos, muito reduzidos e não se propagaram no século XVIII. Porém, suas ideias iniciaticas e seus símbolos, inspirados dos mestres incógnitos: hermetistas diversos e Rosa-Cruzes, tiveram, ao contrario, considerável sucesso nos meios burgueses e intelectuais franceses, ávidos de mistérios e anti-racionalistas, de onde surgia o rito escocês.
Podemos afirmar que quase todos os amadores de Ciências Oculta e de Misticismo não ortodoxo, entendiam um pouco de Kabbala.
Ha títulos de trabalhos e de rituais de Sociedades Maç:., como os que já apontámos, que provam o kabbalista de certos grupos maç:. Seria estranho que muitos pontos do ritual escocês, que dizer, dos Graus Maiores, elaborados nessa época, fizessem excepção e nada tirassem da Tradição hebraica esotérica.
Não nos preocupados em saber aqui se a Kabbala é completamente pura e antiga, como pensa Vulliaud ou se é, conforme parece, uma amalgama que, nas redacções medievais do Zohar, apresenta elementos caldeus e judaico antigos, com ensinamentos iranianos ou mesmo sufis, mais recentes, nem examinamos a acção directa rabinica da Kabbala sobre a maç:., ou a acção heteróclita dos kabbalistas cristãos, como Paracelso, Trithemo, Reuchlin e, sobretudo, Agrippa. Este ultimo autor reproduz, principalmente em sua filosofia oculta, os principais da Kabbala pratica, compara-os ás doutrinas secretas da antiguidade e ensina a confecção de amuletos para conjurar os espíritos, segundo as formulas dos redactores rabinos das Clavículas, como ele próprio afirma.
Ora, desconfia-se de haver plágios ou interpolações nos livros dos kabbalistas cristãos, porque esses escritos se ocupam unicamente dos mistérios cristãos, pelos métodos da Kabbala e pouco se interessam, salvo honrosas excepções, da profunda metafísica do Jesirah ou do Zohar, livros que por eles não foram lidos ou conhecidos em sua integridade. Com efeito, os rituais dos altos Graus esotéricas, á maneira dos Kabbalistas, as coisas cristas e contém pouco metafísica transcendente ou de tal modo mergulhada nas cerimonias e sinais pouco claros, que dificilmente podem ser encontrados.
Reconhecemos, nos rituais dos altos Graus, principalmente, símbolos ou alusões claramente kabbalisticos. Isto é muito importante, Vulliaud é mais exclusivo nesse ponto do que os próprios judeu. Estes não indicaram os detalhes, como o fazemos hoje, mas que se tratasse de Gould entre os autores maçónicos de alguns anos, ou de Armand Bédamide, mais moderno, sobrinho dos irmãos Bédamide, criadores do rito Misraim (inteiramente hebraico), eles consideram a Kabala como um dos componentes principais da doutrina e da expressão maçónica.
1.º - O atributo de Grande Arquitecto do Universo, testemunha uma dupla origem. Natural aos construtores das catedrais, ele é empregado no Zohar (5) e no Talmud, tratado considerado como kabbalistico. Nesse tratado, o Mundo é um Templo do qual Deus é o arquitecto.
O que é mais notável é o caracter não definido do grande arquitecto maçónico. Em parte alguma existe operador, fabricante do Universo, mas sim o Pensamento que o concedeu. A noção Ain Soph, Deus superior ás sephiroth operantes, emanada Dele, parece a mesma que a do G:. A:. indefinido dos franco-mações escoceses.
2.º - A Palavra Perdida, cujas pesquisa se faz em certos graus, como no 18.º, ou príncipe Rosa-Cruz, é o ultimo segredo da Maçonaria, o Conhecimento Perfeito, o grande segredo da Iniciação.
Como se pode interpretar os símbolos maçónicos de muitos modos, faz-se também alusão á pronuncia exacta do tetragramma hwhy contido no triângulo místico da ordem, o Schem-Ham-Phorasch, nome divino, condensador de forças magicas, que o sumo sacerdote pronunciava uma vez por ano no Templo, enquanto os levitas agitavam as campainhas para evitar que o povo ouvisse a verdadeira pronuncia, proferida no Santo dos Santos ou Kadosch Hakadoschim.
Esse nome é traduzido nos escritos kabbalistas como: Jehovah, Jahveh; costuma-se abreviado em Iah, nos 4.º e 13.º graus, substituindo-o como palavras sagradas de outros nomes divinos da Kabbala. Jaheb, o condescendente; Ihao, o que existe; Eliah, o corajoso, - combinações de uma parte de hwhy, por comutações e adjunções de letras hebraicas a hy, Iah. O tetragramma é encontrado novamente no 14.º:., 18.º:., e 23.º:. e 24:..
3.º - Os anjos do 28.º:. grau, ou cavaleiro do Sol, são: Michael, Gabriel, Uriel, Zarhiel, Hamaliel, Raphael, Zaphiel. Ora estes nomes pertencem aos espíritos governantes dos planetas, na Kabbala. São tirados da lista das 72 combinações de letras com El, na chamadas tábua do Schem-Ham-Phorasch.
4.º - Os três pontos são usados em muitas fraternidades, pelo menos depois da Idade-Media. São vistos gravados entre os graffiti dos Templários prisioneiros, nos muros das prisões do Castelo de Chinon. As antigas associações corporativas de operários, também os usavam. Mas o iod (y) é considerado na Kabbala como formado por 3 pontos reunidos (6). Ora, o iod é a mãe de todas as outras letras no Zohar e também no Ietzirah.
5.º - Algumas cores consagradas aos graus coincidem com as que são atribuídas a muitas sephiras. É assim que o cor branca dos graus superiores, como o 31.º:., 32.º:. e 33.º:., dos ofícios maiores, é a cor das Sephiroth reais: Malkut, o Reino, resumo e repouso das Sephiroth; Kether, a primeira e rainha das Sephiroth espirituais. O negro caracteriza Geburah, a Justiça, e o cordão de Kadosch, grande juiz maçónico, é igualmente negro.
6.º - Os 4 animais da visão de Ezequiel, foram popularizados de diversos modos, mas é sabido que não só a Kabbala judaica, como o Apocalipse de São João, adaptação kabbalistica cristã, repetem com força e insistência esse simbolismo. Nos antigos rituais, encontrava-se palavra sagrada de um certo grau escocês, na guela de uma esfinge de leão e o recipiendário respondia a uma pergunta iniciatica o seguinte: inveni verbum in ore leonis. Não se tratava do leão de Judá, somente, como pretendiam muitos Anglo-Saxãos ou Israelitas, mas sim da Potência no sentido kabbalistico.
A águia, figura muitas vezes empregadas pelo Zohar em suas parábolas, designa, na literatura rabinica esotérica, o Império Espiritual, que rege os seres e as coisas, entre muitas outras significações. Os cavaleiros Kadosch ou 30.º:. outrora eram chamados cavaleiros da águia branca e negra. O brasão do Supremo Conselho é a águia (7).
O anjo figura nos rituais, e o touro, abolido nos catecismos escoceses, aparece nas cerimonias maçónicas simplesmente sob a forma do touro alado caldeu, que serve de ornamento e guardião de certos templos. Entretanto, ele aparecia muitas vezes nos rituais do rito de Misraim, existindo em França.
7.º - Os candelabros de muitos braços luminosos ou luminares, representam espíritos protectores da dignidade dos graus. São representado por 3, 5, 7, 9, ou seus múltiplos 9, 10, 21, 72. Temos, por exemplo, o candelabro de 9 braços do 4.º:., ou mestre secreto; o de 2 e de 5 braços do 23.º:., cavaleiro do tabernáculo, e vários outros. Os 72 luminares do 15.º:. grau antigo, se referem, evidentemente, aos 72 génios da tábua de Schem-ham-Phorach, ou do grande nome de 72 letras.
Os luminares representam espíritos ou anjos nas cerimonias dos Elus-Cohens de Martinès, dos Philalèthes, dos f:. m:. do rito de Misraim. Ora, tudo isto é perfeitamente kabbalistico e de um simbolismo frequente no Zohar.
8.º O emprego da aritmologia sagrada poderia ser atribuído unicamente á influencia pitagorica, mas a Maçonaria emprega precisamente os números mais citados nos escritos kabbalisticos: o 3, o 5, o 7, o 9. A importância dos 3 grandes middoth, ou aspectos de Ain Soph, é evidente. O 5 é o numero do verbo entre muitos rabinos esoteristas, tais como Aben-Ezra. Ha 6 dias e 1 sabbat, 2 ternários de Sephiroth operantes, sintetizadas na 7.ª malkut, 7 terras, 7 céus, 7 moradas de anjos, etc., no Zohar (8).
O numero 9 lembra três ternários de sephiroth intermediárias, expressos nas tábuas kabbalisticas por 3 triângulos, malkut estando subentendido. Os 9 palácios ou escalas conducentes a Deus, no Zohar, são frequentemente citados nos escritos rabinicos. Ora, os 13.º:., 14.º:. graus, entre outros, têm por símbolos 5 triângulos entrelaçados, ou estrela de 9 pontas. Outros acendem 9 luminares.
Seria estranho que os 4 números sagrados, mais conhecidos na F:.-M:. fossem os mais significativos para os Kabbalistas, sem que houvesse inspiração rabinica nos rituais e no cerimonial.
9.º - Pode-se notar a identidade dos nomes divinos constantemente apresentados pela Kabbala e os das palavras sagradas maçónicas: Adonai do 4.º:., ou mestre secreto, do 14.º:., grande escocês da abobada sagrada, do 28.º:., Príncipe adepto ou cavaleiro do Sol; Kadoch ou 30.º:., que exclama: nekan Adonai e que é repetido no 33.º:., grau supremo.
Muitos compostos de El, de Iah, Tsebaoth, Schaddai, são pronunciados em diversos graus.
10.º - O alfabeto secreto dos 3 primeiros graus, representado por letras quadradas, derivadas das subdivisões angulares do xadrez de 9 quadrados, é kabbalistico. C. Agrippa, no Cap. XXX do Livro III da Filosofia Oculta, intitulado: "Outros modos de fazer os caracteres transmitidos pelos kabbalistas", dá uma figura completamente semelhante a dos catecismos maçónicos.
As comparações precedentes, simples exemplos tomados em grandes quantidade de detalhes coincidentes, ou muito semelhantes, ao lado curto resumo histórico de Le Forestier, sem duvida bastam ao leitor imparcial para convence-lo do caracter um tanto absolutista da opinião de Vulliaud. Não obstante sua grande erudição e competência hebraica, parece-nos que foi um tanto precipitado ao negar qualquer relação da Franco-maçonaria , que lhe é difícil julgar inteiramente sem iniciação, com a Kabbala, que conhece bem.
Que as influencias tenham sido directamente judaica ou indirectamente kabbalistas, pelos esoteristas, alquimistas, hermetistas, Rosa-Cruzes de origem cristã, que fizeram a kabbala cristã, como Agrippa ou Cardan, entre os mais notáveis, pouco importante.
O espirito das doutrinas e dos rituais da Franco-maçonaria, e particularmente do Escocismo, é em grande parte kabbalistico e nos parece absurdo contesta-lo.
Grupo Maçônico Orvalho do Hermon
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