domingo, 14 de abril de 2013

O Perfil Maçônico


Irm Ambrósio Peters ( * )
A través da história tem o homem manifestado uma tendência, que diríamos inata, de lutar e trabalhar em grupos, de se compor em organizações e formar associações, quer procurando a satisfação de seus anseios individuais, quer buscando alcançar suas metas grupais, a que isoladamente não poderia jamais chegar.
Houve, até, agrupamentos humanos, como os colégios funerários romanos, que visavam unicamente dar a seus membros, no final de suas vidas, um enterro e uma campa decentes.
Floresceram as guildas e corporações intensamente durante toda a Idade Média, estendendo?se quase até o final da Idade Moderna. Essas associações tinham o escopo principal de agregar os profissionais de uma determinada atividade, tanto para se protegerem mutuamente, como para tratar da defesa dos interesses gerais da classe.
Mais recentemente, os historiadores concluíram através de suas pesquisas que esses colégios, corporações ou guildas, além de sua finalidade material e ostensiva, também tinham entre seus membros ligações mais íntimas de caráter religioso, e que suas reuniões, de um modo geral, ser realizavam acobertadas pelo segredo e obedeciam a determinados rituais e esquemas rígidos de trabalho.
É inegável, porém, que todas tinham sempre o fato de um interesse comum ligado ao modo de vida dos associados, principalmente sob o aspecto profissional. Os rituais e senhas de reconhecimento eram unicamente um elemento de ligação entre os membros, mantendo não somente o grupo unido, mas também tornando as reuniões mais rigidamente ordenadas e produtivas.
Qualquer cidadão que quisesse pleitear seu ingresso deveria identificar-se com o grupo, e assumir o compromisso de trabalhar incansavelmente pelo bem comum. A identificação de interesses com os dos futuros companheiros era essencial, e cada candidato era rigorosamente submetido a uma sindicância prévia para analisar suas verdadeiras intenções e capacidades. Tentava-se evitar, a todo custo, que um iniciado viesse a prejudicar a harmonia do grupo. Por isso, cada associação estabelecia um perfil avaliativo do cidadão a ser iniciado, e somente quem a ele perfeitamente se adaptasse lograria ser aceito.
A definição desse perfil era considerada uma necessidade indispensável para que a organização pudesse seguir homogênea e ativa na luta por seus ideais. A fixação das características essenciais do candidato e sua exata definição não poderiam ser desprezados sob nenhuma forma sem o perigo de graves danos à comunidade.
Temos aí uma premissa básica a ser seguida se quisermos um grupo unido e coeso, capaz de atingir suas finalidades, grupais ou individuais. Não se pode permitir a existência de vozes contrárias e destoantes comprometedoras da boa ordem dos trabalhos. A história nos diz que as guildas, corporações e colégios seguiam rigorosamente esse estatuto, observância que lhes deu vida por mais de mil anos.
É muito natural, portanto, que a Maçonaria, como toda e qualquer sociedade que se proponha altas finalidades sociais, estabeleça um rígido perfil para enquadramento dos candidatos à iniciação, perfil esse que deve delinear com precisão as qualidades básicas mínimas e indispensáveis desejadas.
Já é nosso hábito dizer que somente damos ingresso a homens 1ivres e de bons costumes". Essas qualidades, contudo, nos parecem absolutamente vagas e imprecisas, por não serem capazes de definir a verdadeira personalidade de alguém.
É mister procurar com denodado empenho uma elaboração mais exata para o perfil das pessoas que queremos trazer para o nosso meio e engajar na luta pelos ideais maçônicos. Necessitamos, na realidade, de verdadeiros homens de iniciativa, com decisão de luta pelo bem comum de nossa sociedade, que possam efetivamente envolver-se com o nosso grupo, com disposição também de dedicar-se sem esmorecimento à elevação de seu nível cultural individual.
Ser "livre e de bons costumes" seria apenas um poluo de partida para analisar um candidato; porém em segundo lugar, mas não secundariamente, aquilatar outras qualidades imprescindíveis como disposição para o estudo sério, para a filantropia, para a luta pela solução de problemas sociais, disposição para lutar, enfim, por uma boa causa.
Em suma, queremos homens "livres e de bons costumes" sim, mas também culturalmente avançados, verdadeiros líderes sociais, intensamente dedicados à busca da perfeição não somente em si mesmo mas em toda a humanidade. É neste ponto que se origina a maior parte dos problemas internos de nossa Ordem.
É notoriamente difícil encontrar candidatos que se ajustem com perfeição a esse perfil, ainda mais porque essa exigência tolhe o desejo de muitas Lojas que querem a todo custo aumentar os seus quadros, como se isso representasse algum fato positivo em seus trabalhos.
Mas, analisemos mais pormenorizadamente as duas qualidades referidas inicialmente, e que sempre mencionamos em nossos trabalhos: "Livre e de bons costumes". Verificaremos que se prestam a interpretações ambíguas, pois têm um sentido demasiadamente amplo e indefinido.
O que é um homem livre?
Livre para ir e vir conforme assegura a Constituição Brasileira? Livre em contraposição a escravo? Livre de laços de juramento com outras associações similares? Livre das imposições do seu meio social? Livre de pressões de parentes e amigos? Livre de pensamento?
Seria, ainda, ser livre contar com a coragem suficiente para arrostar com a reprovação da sociedade para com todo aquele que tenha a ousadia de ser diferente, diferente apenas, do pensar da maioria?
Provavelmente naqueles primeiros tempos em que a Maçonaria Especulativa começou a substituir a antiga Maçonaria Operativa, quando as guildas de pedreiros vinham perdendo sua finalidade em virtude da vulgarização dos segredos de construção, a expressão "livre" era entendida em seu sentido literal, ou seja, livre da peia de ser escravo ou servo.
Evidentemente não é mais essa a conotação de liberdade que hoje referimos, eis que no oriente, no sentido estrito da palavra, não temos mais escravos, embora devamos admitir que uma família que receba apenas um salário mínimo esteja em piores condições do que um escravo, pois a este se garantiam a comida, a moradia e o vestuário.
O termo livre tem hoje uma interpretação muito mais nobre em nossas sindicâncias,, sendo definida em sentido mais de liberdade mental do que física. Entendemos como homem livre, ou deveríamos sempre entender, aquele com coragem suficiente e evidente capacidade de escolher livremente os seus passos, e determinar ele próprio os rumos de sua vida. Homem livre é um homem de iniciativa, dono de seu próprio destino, que ousa pensar sem imposição de limites para isso.
Mas, poderá um homem livre assim praticar alguma religião carregada de afirmações dogmáticas, e ser ao mesmo tempo um maçom convicto? Evidentemente que sim, desde que ele adote essa fé e seus dogmas como uma livre escolha sua, como urna conclusão de seu processo cognitivo, como um ponto de chegada de sua busca intelectual; desde que ele aceite esses dogmas como uma verdade plausível perante sua consciência.
Certa vez, em viagem, identifiquei-me junto a alguém que de antemão sabia ser maçom. Ele correspondeu, mas imediatamente esclareceu que abandonara nossos trabalhos porque seu pároco, ele era católico, lhe dissera que teria de optar entre Maçonaria e Igreja, pois as duas se excluíam mutuamente.
Evidentemente esse ex-Irmão não chegou a conhecer nossa Ordem, como não conhecia sua própria religião. Não era tampouco, seu procedimento o denunciava, um homem livre; tinha necessidade de alguém a pensar por ele. Possivelmente teria sido mais uma vítima da preocupação que algumas Lojas têm de aumentar os seus quadros. Uma sindicância um pouco mais rigorosa teria mostrado que ele não deveria ter sido iniciado.
Liberdade não é uma aparência externa do indivíduo, é antes uma condição interna que permite agir sem condicionamento e sem constrangimento, sem limitações impostas por outrem. Liberdade é uma posição conscientemente assumida, tolerada apenas a limitação da própria capacidade intelectual. Essa posição não será revelada pelo comportamento visível de um candidato, somente o seu passado o revelará.
Mas, há um segundo quesito' que costumamos exigir dos que desejam a Iniciação: ser um homem de bons costumes. Esta é uma expressão muito mais ambígua ainda. Tentemos defini?Ia e veremos quantas dificuldades se nos depararão. "De bons costumes" é popularmente considerado aquele hábito que leva o cidadão a proceder de acordo com a maioria de seu meio social, a seguir os usos gerais de procedimento adotados como corretos pelo grupo dominante.
Conheço homens que são considerados "de bons costumes" apenas porque publicamente se comportam segundo um padrão preestabelecido. Não têm títulos protestados, são pontuais no pagamento de suas dívidas, têm ficha policial sempre limpa, mantêm oficialmente um lar com esposa e filhos, em suma, na aparência externa, nada se provará contra eles, e uma sindicância superficial não os condenará. Mas no seu foro íntimo, são verdadeiros tiranos com seus inferiores e seus familiares, fazem quaisquer negócios escusos quando podem esconder a mão, aceitam e dão propinas e subornos; são cidadãos que pensam exclusivamente em seu próprio bem-estar e posição social.
Não se pode naturalmente definir um homem por suas aparências sociais. Ser realmente livre e de bons costumes são facetas muito íntimas de foro interno de cada um, que não podem ser aquilatadas por uma mera e superficial análise externa, muitas vezes eivada de considerações e influências pessoais.
Há que se recorrer a outros meios que não esses prismas para analisar corretamente o perfil moral de um homem. O seu passado deve ser percorrido. Como disse muito sabiamente o escritor grego Políbio, não é o presente que define um homem, mas sim os atos e fitos de sua vida pregressa.
Percorramos a estrada da vida de nossos candidatos. Procuremos ver o que eles já fizeram pelos seus semelhantes, se eles têm efetivamente participado de atividades sociais, se já têm voluntariamente assumido trabalhos comunitários, se têm demonstrado espírito de iniciativa.
Se um homem já se aproxima da metade de sua vida e nunca participou ativamente da solução dos problemas de sua comunidade, se é adepto de uma religião e se limitou a assistir passivamente aos cultos em ocasiões obrigatórias, se em matéria de cultura nunca foi além da leitura superficial de jornais e revistas, poderemos afirmar com certeza que é assim que ele será em nossas Lojas. Jamais nossa Ordem poderá contar com ele. Não é por entrar para a Maçonaria que alguém se tornará homem atuante do dia para a noite, ou virá a ser um homem interessado em seu desenvolvimento pessoal. Jamais será um verdadeiro Maçom.
Não poderemos aceitar como digno de Iniciação alguém que de positivo apresente apenas a característica de ser um bom cidadão, ou que seja considerado de bons costumes por não ter feito mal a ninguém. Essa máquina com que datilografo estas linhas também pode ser considerada boa porque não faz mal a ninguém; ela é exatamente como aquele cidadão, apenas bom, mas que para produzir algo proveitoso deve ser permanentemente manejado.
Ao acolhermos a apresentação de novos candidatos, deveremos fazer prevalecer sempre o bom senso e a responsabilidade, tanto dos apresentantes como dos sindicantes, do corpo da Loja, da Administração Central do Grande Oriente. A análise dos dados apresentados deve ser profunda e cuidadosa. O passado do apresentado deve ser a base de uma pesquisa muito ampla e conscienciosa.
As liberalidades para com amigos e pessoas por ocuparem cargos de destaque têm permitido que entrem para nossa Ordem muitos candidatos que nada mais são do que simplesmente livres (não escravos) e de bons costumes (apenas bons cidadãos), mas cujo passado nada mais mostra do que um caminho deserto sem nada de positivo a ser anotado.
A condescendência, as liberalidades, os precedentes são o grande mal que afligem o funcionamento de muitas associações, e principalmente não poucas de nossas Lojas.
Como são raros os candidatos que poderiam se enquadrar no perfil de perfeição que tentamos delinear, e como muitas Lojas deixam entrever um desusado interesse em ampliar o quadro de seus obreiros, possivelmente para encobrir a falta de outras iniciativas mais substanciosas, verifica?se um apressamento dos cerimoniais de Iniciação. Freqüentemente, por isso, são iniciadas pessoas que nada trarão para nossa Instituição, muito ao contrário, sua inércia será muito prejudicial e contagiante.
E a observância do perfil rigoroso antes estabelecido vai se abrandando. As considerações de amizade e uma indisfarçada admiração por quem ocupa cargos públicos importantes, forçam um relaxamento do processo de seleção. De concessão em concessão se inicia uma reação em cadeia.
Os mesmos que foram iniciados em virtude de uma sindicância facilitada, quando por sua vez apresentarem os seus candidatos usarão um perfil ainda mais diluído. O nível geral da Ordem, como estamos assistindo nesse momento histórico, vai decaindo, não no sentido moral evidentemente, mas pela ausência de homens dinâmicos com quem a Maçonaria necessita contar para poder atingir os seus altos objetivos. A própria freqüência aos trabalhos, por vezes muito aquém do desejado, é um atestado desse fenômeno.
Embora devamos admitir que a condescendência se tomou quase universal, afetando em todo mundo as associações de qualquer natureza, ela não deveria existir na Maçonaria, dada a seriedade com que costumamos encarar nossos trabalhos. Essa reação em cadeia também vem nos atingindo, levando para baixo o nível de nossa eficiência, tão decantada em outros tempos.
Nossa atenção a esse fato social deverá ser dobrada, agora, para que não deixemos chegar esse nível a um patamar perigoso, pois a experiência evidencia que quando isso ocorre a própria existência da associação se vê ameaçada. Muitos membros de nível cultural mais elevado poderão se afastar silenciosamente por não encontrarem guarida para seus esforços pela dinamização da luta por ideais que tanto apregoamos serem nossos.
Qualquer associação que se permita cair no conceito de seus próprios membros está chegando a um limiar indesejável e perigoso para a sua própria sobrevivência.
Nossa Ordem nunca poderá ser maior ou melhor do que o forem os Irmãos que a constituem. Nem se aceitará aquela observação de alguns pusilânimes que dizem querer deixar a Instituição porque não encontraram nela o que procuravam, pois habitualmente nada fizeram ou fazem para modificar a situação. A Maçonaria será tão grande e boa quanto nós, os Irmãos, se formos grandes e bons individualmente.
Esses que assim pensam são exatamente aqueles que em sua vida pregressa nada fizeram de grandioso e meritório, e entraram na Maçonaria pensando que ela faria isso por eles; pretendiam apenas engrandecer-se às custas dos Irmãos.
Cuidemos para que não entrem para o nosso grupo aqueles que Cristo já rejeitou como nem frios nem quentes: os medíocres.
Os pusilânimes não fazem história, são apenas levados de roldão. Percorramos a trilha da história da humanidade e veremos que ficaram apenas os nomes dos que foram ou muito bons ou muito maus. Procuremos ficar na evidência por termos sido muito bons, muito grandes em nossa luta por uma vida melhor, por uma MAÇONARIA GRANDE E UNIDA.

Grupo Maçônico ORVALHO DO HERMON

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